segunda-feira, 7 de maio de 2012

Risoto

Por sobre a mesa ela me olhava, quase não a via mas estava nublado. É bem sabido que no verão as rosas murcham, mas ela estava disposta a secar as pétalas entre as páginas de seu diário. Ela venta tanto que é tempestade, temperada com sal grosso.

Nas nuvens ela colocava um tom de rosa para não se esquecer do crepúsculo. O ósculo ela distribuía aos quatro cantos da mesma boca, que abocanhava cada gota de saliva. Na rua deserta ela desenhava um sol laranja com giz de cera no asfalto, e o arco-íris gotejava cada pétala imersa no frasco de perfume, fragilizando a Via Láctea. Só porque ela não dava ração a seu cachorro, dava só arroz com batatas, a que o poodle agradecia plantando bananeiras. Mas o poodle, que, é bom que se saiba, se chamava Risoto (porque ele tinha um riso maroto), só dava bananas no inverno. Risoto era um caldo que dava onda.

No século passado, quando as ruínas se reergueram por si sós, os flagelos andavam de camelos e não havia engarrafamento nas encruzilhadas, só um grão de areia que entrava no olho que, então, lacrimejava, e aí a paisagem ficava nítida como os lagos turvos e as gaivotas peneiravam os dedos dos pés dos humanos incandescentes, mas isso só de vez em quando.

Era assim: os miolos das galáxias se desenrolavam feito raios e as rachaduras subiam pelas paredes que, esgotadas, ricocheteavam os chicletes, mas só os de tutti-frutti, porque os de morango estavam proibidos.

Foi assim que Risoto excluiu as batatas de seu almoço, para economizar para comprar osso.

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