domingo, 27 de maio de 2012

O catarro é cremoso como doce de leite

Era assim: uma pintura infinita, e eu passava a tinta com os dedos até para além da tela, e o ar ficava empesteado com as cores, que exalavam um perfume mírtico e etéreo (aquele das asas dos anjos batendo quando exasperados por termos tomado o caminho errado - e o que é o errante senão um vesgo que se encontrou e juntou no ar a visão que se cruza de dois instintos híbridos como a primavera: flores murchas secantes?)

Era mais ou menos assim: olhos fechados de pessoas dormindo, pálpebra colada à pálpebra e o papel de seda farfalhando na janela pelo raio de sol, faísca vibrante de som, porque a luz é acústica de todo vento, e o cuspe poroso borbulha na garganta, fechando o circo que mata uma abelha, eu quase não podia sentir aquela bolha policromática e translúcida feito um véu, e o cetim o veludo o perfume e o frasco espatifado no chão e o cheiro escorrendo, exalando cores nas paredes que se descascavam como nuvens fictícias sombreadas pelo sol de inverno, resquício de todo amargo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário